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1.3.06

Capote dividido

CINEMA

FILMES DO OSCAR I



Quem lê a obra prima do jornalismo literário, A Sangue Frio, não percebe que seu autor, homossexual assumido, chegou a se apaixonar pelo protagonista, Perry Smith, assassino que acabou enforcado no corredor da morte americano, após matar uma família de fazendeiros no Kansas. Há no livro um desmembramento mais profundo da psicologia de Smith do que de seu comparsa do crime, Dick Hickock, e a tendência é acreditarmos que tinha uma perturbação mental e era, até mesmo, inocente, levado à tragédia por sua infância de abusos. Estes sentimentos controversos foram vividos pelo autor no longo processo de montagem de sua maior obra literária, desde o momento do assassinato, em 1959, passando pela perseguição aos assassinos até a sentença que culminou em suas mortes.

Foram seis anos torturantes que Benett Miller retrata em Capote, seu recorte da biografia do autor baseado no livro de Gerald Clarke. Com a atuação prodigiosa de Philip Seymour Hoffman, o filme é um retrato da extensa pesquisa de campo que o livro demandou para recriar os assassinatos (Capote chegou a ter seis mil páginas de anotações), além da possibilidade que criou ao transformar uma nota de rodapé do New York Times e um artigo que escreveria para The New Yorker em um livro, mostrando que o jornalismo cotidiano pode ser aprofundado e criativo. Mas seu foco é, principalmente, seu relacionamento dúbio com Smith e sua dedicação à obra, levada até às últimas conseqüências.

Ao longo do filme somos expectadores da fria condução de sua obra-prima, paralelamente à crescente afeição por seus personagens. Capote divide-se freqüentemente entre o solitário menino do meio-oeste vítima dos abandonos da mãe, que entende Smith, e o escritor metódico que deseja a morte de seus personagens para que possa finalizar sua obra. Uma bela passagem do filme tenta desvendar a personalidade controversa do escritor-jornalista e analisa que ele e Smith viviam na mesma casa, porém, Smith saiu pela porta dos fundos e, Capote, pela da frente. Esta parece ser a distância entre eles, o que faz com que Capote consiga o objetivo de humanizá-lo no livro, mas não querer sua libertação.

Apesar de muito elucidativo da personalidade de Capote e retrato do momento mais brilhante de sua vida literária, o filme retrata apenas em flashes o mundo das celebridades no qual estava inserido. Querido pela high society, dançou com Marylin Monroe, teve atrizes como grandes amigas, bebeu e fofocou muito até que se sentiu seguro para mostrar as estórias que ouviu em um livro após A Sangue Frio. Capote já havia reproduzido uma em Bonequinha de Luxo, perfil pitoresco, mas com sátira suave, tornado clássico do cinema com Audrey Hepburn. Desta vez o pequeno terror faria críticas contundentes, apesar de cuidadosamente colocadas sob pseudônimos e, após reproduzir alguns capítulos de seu futuro livro em jornais, foi visto como pária. Na segunda tentativa, perdeu a luta entre sua vida e a literatura e deixou-se levar pelas drogas. É o mal do escritor não- ficcional, que reproduziu a vida, demasiadamente, real.
Marília Almeida
CounterData.com

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