Quando os gatos são pardos
“São Paulo é a cidade mais fácil do mundo para ser cronista. Vou andando, o assunto agarra meu tornozelo e diz: me usa, me usa”. É o que revelou Ignácio de Loyola Brandão, considerado o cronista da capital, apesar de sua origem interiorana, em um dos debates da Bienal do Livro de São Paulo. Ele carrega consigo um pequeno bloco, onde anota situações que alimentam sua vasta obra, que já soma 27 livros, entre crônicas, contos, romances e infanto-juvenis. “Inspiração é observação. Olhar para o olho das pessoas, o interior, minha cidade, por onde ando, escutar e ouvir as pessoas”.
É a São Paulo da década de 60, seus interessantes e únicos personagens, que surgem sempre quando o sol se põe, que resgata em seu primeiro livro, Depois do Sol, primeiramente lançado pela Brasiliense, em 1965, e recentemente reeditado pela Global Editora, incluindo making off e personagens que o inspiraram, quando o autor completou 40 anos de carreira. Na época, Ignácio começava sua carreira como jornalista no jornal getulista de Samuel Weiner, o Última Hora, onde trabalhou por quase dez anos. Morador do centro da cidade, fazia parte da boemia da cidade. Toda noite fazia via-sacra em boates, bares e inferninhos com seus colegas de redação.
Clubinho, na Rua Rego Freitas, boca de luxo que reunia pintores, escritores e outras figuras notívagas; o restaurante Gigetto, na rua Nestor Pestana, com seus artistas, diretores e desfile de celebridades; o pessoal do Teatro Oficina; o inferninho Snobar, na Bento Freitas, onde, para fazer um programa, tinha que ser figura carimbada; Juão, templo da bossa nova e os pombais da boca de lixo são palco de inspiração de Loyola para os oito contos que reúne nesta obra. A capital é, por ora, coadjuvante silenciosa ou protagonista, em contos como São João Mão Única, retrato de um congestionamento na avenida, na época, e Aos Sábados Eles Mandam na Praça, o ritual diário pelo qual passava a Praça Roosevelt, aos sábados, onde as mais diversas classes sociais e estilos freqüentavam seus cinemas, à noite.
Mas, mais do que uma cidade já caótica, os contos retratam as experiências pessoais de seu autor e personagens inspirados em pessoas que se relacionou. Loyola fala abertamente do baixo salário que ganhava na época, o glamour da carreira, como burlava necessidades financeiras para se divertir, sua doença e visão sobre o golpe militar, mostrando uma juventude intensa, retratada com primor em Retrato do Jovem Brigador, inspirado em um colega de redação.
Além disso, havia a moda, que surgia na cidade com as modelos da Rhodia e era o sonho de consumo de meninas do subúrbio, desde a prostituta do inferninho até a menina de família. Ascensão ao Mundo de Annuska foi inspirado na modelo Giedre Valeika, na época grande manequim da Rhodia. Delicioso, lembra Bonequinha de Luxo, de Truman Capote. Ele, juntamente com A menina que chupava chupeta, que mostra a visão da prostituta sobre a ascensão na vida, se entrecruzam. São duas histórias de amor, dois mundos opostos (ou não), duas personagens bem elaboradas. Retratos crus e reveladores.
Plagiando os ousados layouts que promoveram o livro, criados por amigos do autor quando ainda não havia tal propaganda e muitos donos de livrarias as recusaram, antes de falar mal de Loyola, leia este livro. Depois, fale mal com conhecimento de causa. Enquanto a gente dorme, acontecem coisas incríveis na cidade. Loyola conta tudo, neste livro.
Marília Almeida
3 Comments:
É bem isso mesmo!... a cara de Sampa. Parabéns!
Almeida
Obrigada pelo elogio, pai, meu mais puxa-saco e querido leitor.
´Finalmente encontro um blog de nivel intelecto decente e instrutivo. Bravo!
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