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4.4.06

É tudo real, sim, senhor

CINEMA - DOCUMENTÁRIO

Aimar Labaki, diretor-fundador do festival anual de documentários É tudo verdade, trouxe pela primeira vez, à sua edição de 2006, um especial com apenas uma temática. Em sua 11º edição, realizada em São Paulo de 23 de março a 2 de abril, o especial O Estado das Coisas, caracterizado em edições anteriores pela variedade de estilos, foi nomeado destas vez Era do Medo. A mostra visou retratar as várias faces do terrorismo, guerras e genocídios mundiais presentes nos conflitos geopolíticos a partir do término da Guerra Fria. Não é uma visão reducionista, que explora somente o terrorismo que amedrontou os Estados Unidos no 11 de setembro ou nos comflitos subsequintes no Afeganistão e Iraque. As produções vão além e mostram conflitos que acontecem debaixo do nosso nariz, mas para o qual nós e os grandes noticiários não damos a devida atenção.

Ruanda, Kosovo, Srebrenica, Timor Leste, Chechênia e Haiti são exemplos de guerras ofuscadas pela ofensiva americana e sua guerra do terror, mas que perduram, seja em um continente arrasado ou na memória de sobreviventes que clamam por uma justiça que nunca chega. São exemplos produções como Srebenica nunca mais?, Mate-os todos – História de um genocídio “sem importância” e Aristide e a revolução sem fim. Já o cotidiano pós-guerra no Iraque, o eterno conflito entre Israel e Palestina e as dúvidas e teses sobre a guerra do terror estadunidense podem ser conferidos nos contundentes À Sombra das Palmeiras, Vingue Tudo mas deixe um de meus olhos e O poder dos pesadelos.

Desmet: múltiplas visões sobre múltiplos conflitos Bálcãs

Representante do primeiro grupo, a antiga Iugoslávia e sua fragmentação sistemática, provocadora de crimes contra a humanidade, ainda surte efeito em seus habitantes, retratados em Alguém tem um plano?. Produção conjunta de diversos países Bálcãs finalizada neste ano e dirigida por Lode Desmet, é o retrato da luta pela independência de Kosovo, após seu enquadramento como província da Sérvia. Repleta de refugiados, a província ainda conta com uma estrutura precária, carente de serviços básicos, como eletricidade. O documentário coloca 17 cidadãos comuns de Kosovo, Sérvia e países vizinhos frente a frente com autoridades políticas dos diversos países da região, seja por meio de uma tela de cinema, uma televisão pública em Belgrado, capital da Sérvia; ou jogos de câmera que focam o ouvinte enquanto a fala do inquirido é ouvida no áudio. Eles perguntam qual será o futuro de Kosovo em diversos aspectos. A discussão é labiríntica e heterogênea, não podendo se dividir apenas em quem quer a independência e os contrários a ela, mas em conflitos eternos que envolvem rancor por atrocidades cometidas e a sempre polêmica 'ajuda' internacional. Com bela fotografia, sua dinâmica é enriquecida por estas múltiplas visões.

Zarqawi: dez milhões em recompensa oferecidos pelos EUA

Já em Zarqawi – A questão terrorista, documentário francês produzido em 2005 por Patrice Barrat, Najat Rizk e Ranwa Stephan, é contado o histórico do terrorista islâmico Abu Musab Al Zarqawi. Ele foi condenado à morte pela Jordânia em fevereiro, acusado de supervisionar atentados com homem bomba contra alvos estadunidenses e do governo de sua terra natal. O documentário tem como base outro, feito por um jornalista da Jordânia, Fuad Hussein, que conheceu Zarqawi na prisão, nos primeiros anos da década de 90. Tido como principal operador militar da Al Qaeda, Zarqawi chegou a ser considerado pelos EUA o mais procurado terrorista após o 11 de setembro, juntamente com Bin Laden e, principalmente, por seus atentados no Iraque. Com depoimentos de analistas, Hussein e colegas, vídeos de Zarqawi em uma situação familiar, o casamento de sua irmã, e de um jovem homem-bomba recrutado pela Jihad Islâmica, sorrindo diante da morte no dia seguinte, são marcantes. A pouco explorada discussão e revelação de mecanismos de difusão da ideologia da Jihad pela Internet, que inclui vídeos de decapitações, também é o ponto forte da produção. A imagem de terrorista condenado à morte mais de uma vez (o assassinato de um diplomata norte-americano, em 2002), ao lado de fatos de sua infância pobre, se entrecruzam, enternecem e revoltam na tentativa de compreensão do terrorismo.

Considerado o principal evento dedicado à cultura do documentário na América do Sul, É Tudo Verdade exibiu 111 filmes, entre longas, curtas e médias, e teve número recorde de inscritos: 956. O festival também teve uma edição carioca e uma seleção de seus destaques será exibida em Brasília e Campinas neste mês. Em 2007, Aimar Labaki pretende voltar com a pluralidade temática do especial do festival e afirma que, atualmente, o documentário se constitui um sub-gênero. Dupla pena. A temática, infelizmente, é uma tendência mundial, aparenta ser fonte inesgotável de material e não deveria sair do foco das câmeras tão cedo. Já o documentário, principalmente as produções internacionais, por sua vez, poderia adentrar um pouco mais nas salas de cinema para mostrar estas questões, que não podem ser vistas pela TV de maneira aprofundada e crua, a um público bem maior. Seria uma dupla divulgação, emergencial na era moderna. A do medo.

Marília Almeida

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Puxa vida! Nem imaginava que um dos gêneros que mais me atrai às salas de cinema fosse, na realidade, um sub-gênero. Classifico documentários como dos mais facinantes motivos para sair de casa e enfrentar flanelinhas e engarrafamentos. Da mesma maneira gosto dos curtas, que são ainda raros. Não consigo ver "Edifício Master", "Boleiros", "Entreatos" e outros tantos como sub-gênero. Sei lá, vai ver sou um sub-espectador.

9:28 PM  
Anonymous Anônimo said...

parabéns pelo blog, Marilinha. Vou tentar virar leitor assíduo.

Bjs

12:43 AM  
Anonymous Anônimo said...

dei uma voltinha no teu blog, legal... boa viagem !!

tio

5:23 PM  
Anonymous Anônimo said...

Oi Marília,

parabéns pelo blog, vc continua cheia de opinião hein....

bjs,

Flá.

5:24 PM  
Blogger Marília Almeida said...

Povo, obrigada pelos elogios. Hernandes, o documentário é um sub-gênero sim, apesar das produções brasileiras, principalmente de nomes como Eduardo Coutinho, aparecerem um pouco mais. Mas, no universo do documentário, muito amplo (e o É tudo verdade mostrou isso), apenas uma minoria consegue. E aí está um fenômeno engraçado. Pelo menos, quando se fala em documentário, damos preferência para produções nacionais. Um começo! Bjos!

5:52 PM  
Anonymous Anônimo said...

Não é sub-gênero. É gênero, estudem cinema um pouco e descobrirão isso. Em outro aspecto vocês estão certos e pessoalmente concordo que documentários da família Michael Moore e outros são ótimos. Mas são ótimos e por isso atraem público e por isso tem dinheiro. De uma maneira ou de outra.

10:28 PM  

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