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31.7.06

FIT - Festival Internacional de Teatro I

TEATRO*

Não pude me livrar da sensação de espectadora retardatária no penúltimo dia da 6° edição do Festival Internacional de Teatro, o FIT, em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Preço pago para que pudesse contemplar a maioria das atrações internacionais em apenas um dia. Mas ainda consegui pegar o clima do 2° e último final de semana atípico em uma cidade de 200 mil habitantes.

O evento é fruto de uma parceria de entidades públicas, o que permitiu o baixo preço dos ingressos para as peças (inteira R$10 e estudante R$5). Realizado pela Prefeitura Municipal da cidade, o Serviço Social do Comércio e a Petrobrás, o festival teve um orçamento de R$1,9 milhão, do qual R$600 mil foram utilizados para o cachê das companhias participantes. Há também o patrocínio da Caixa Econômica Federal e Correios, e parceria com a Funarte, Secretaria de Estado da Cultura e o Governo do Estado de São Paulo, além do benefício da Lei de Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura.

O festival está em seu 9° dia e, apesar do nome, exibe apenas cinco produções internacionais e 44 nacionais, entre elas sete infantis e nove de rua. Provenientes de vários estados do país, elas compõem um cenário diversificado, apesar da hegemonia do eixo RJ-SP. Entre os destaques estão Larvárias, de Porto Alegre-RS, Dilacerado, do Rio de Janeiro-RJ, O que seria de nós sem as coisas que não existem, de Campinas-SP, A Parte Doente, de Blumenau-SC, Caetana, de Recife-PE, Dinossauros, de Brasília-DF, Êh Boi, de Belo Horizonte-MG e Fábulas, de Natal-RN. Três produções da cidade também participam do festival: Abajur Lilás, Sr. Malte e Beatolados.

O festival envolve toda a cidade em 18 espaços, entre teatros, palcos especiais, ruas e até um casarão. Nele, três peças chegam a ser exibidas concomitantemente. É natural, pois, que a primeira impressão seja a de um festival popular, ligada ao teatro de rua. Como a maioria das peças são exibidas somente à noite, pela manhã busquei este teatro de fácil acesso aos moradores locais e a todos os interessados. Encontrei duas: Circo Minimal – A soprano Galinha Galinova, do grupo Cia. Gente Falante – Teatro de Bonecos; e o projeto Uroborus.

Em uma feira de bairro encontrei o pequeno circo, mínimo mesmo, do grupo de Porto Alegre que completa doze anos de atividades em teatro de animação. Descobri que seu nome provém da junção de minimalismo e fábulas de animais. É justamente o que encontramos. O quadro Galinha Galinova é apenas um dos dez da série Circo Minimal. No FIT foram apresentados apenas dois deles, um em apresentação dupla.

Pontualmente, uma grande fila foi se formando, entre curiosos e acompanhantes das muitas crianças presentes. A sensação de que era a primeira vez de muitas delas frente à arte teatral não deixou de encantar. Com apenas quatro minutos de duração e capacidade para sete pessoas, a encenação é singela, com trilha sonora e iluminação bem-feitas em um cenário que, por ser itinerante, é, inevitavelmente, precário. Despertou em muitos presentes alegria e surpresa.

Da feira, parti para a rodoviária da cidade. Não quis voltar para a casa. É lá mesmo que é encenado o Projeto Uroborus. Ele consiste em 179 horas ininterruptas de encenação de um texto de 78 dramaturgos, entre eles Maquiavel, Gil Vicente e Sófocles, desde o teatro grego ao contemporâneo, nomeada Rapsodomancia para a eterna ressurreição do teatro. Mas o mais interessante é que os atores em cena são pessoas comuns que aceitam encená-lo por uma hora, sem mais nem menos e com direito a buzina no final. Até o dia 18, 200 pessoas já haviam se inscrito para o projeto pelo site do FIT.

Presenciei a encenação de uma dupla, no mínimo, curiosa. Um músico de 56 anos que entende a música e teatro como artes interligadas, já que ambas exigem poder de expressão, e um jovem de 14 anos apaixonado pela arte cênica, ambos moradores de Rio Preto. A um foi delegado o papel de protagonista e, ao outro, a tarefa de sempre argumentar suas afirmações acerca do mundo. Política, poesia, preconceitos sociais e muita reflexão acerca da própria atividade teatral permearam os diálogos, repletos de improvisações até mesmo sobre a Parada Gay paulistana.

Houve também muito embate de estilo entre as duas personalidades tão distintas dos atores em cena. Muitas vezes ambos corrigiam a si próprios e indicavam sutilmente ao outro para seguirem o script, o que era muitas vezes rechaçado. No balanço final, momentos e insights reveladores e realmente criativos de suas duas visões particulares do mundo. Pequenas risadas e olhares atentos da platéia de cerca de vinte pessoas se transformaram em aplausos, apesar do barulho da rua e rodoviária, que tornava impossível por vezes a audição dos diálogos e até mesmo provocavam irritação.

Por fim, a emoção expressa nos olhos dos dois participantes e a vontade de estar cada vez mais próximos da arte. Por outro, a cena de um mendigo lustrador de sapatos, que parou para contemplar a peça por segundos. Ele acendeu um cigarro com um sorriso que não podia ser codificado, tamanha a distância dele do resto dos espectadores. Mas, logo depois, a vida que se segue na solicitação a possíveis clientes se estes queriam lustrar seus sapatos ou na tomada do próximo trem pelo passageiro rodoviário. Mas são estas misturas de sensações que fazem, afinal, um espetáculo de rua. E são eficientes, sempre.
Marília Almeida

*publicada no Digestivo Cultural

18.7.06

Rumos do Cinema Político Brasileiro

CINEMA*
As diversas formas de representação de crimes políticos pelo cinema nacional já foram bastante exploradas, principalmente no que diz respeito ao período mais sombrio da nossa história: a ditadura. A ficção Quase Dois Irmãos, de Lúcia Murat, e o documentário Vlado – 30 Anos Depois, de João Batista de Andrade, são dois exemplos e ajudaram a compor a mostra Encontro com o Cinema Brasileiro – Crimes Políticos no Cinema, realizada pelo Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo de 22 a 25 de junho.
A Mostra também exibiu pérolas nacionais como Terra em Transe, de Glauber Rocha, além de filmes recentes que fazem alusão ao estado de corrupção que se formou em Brasília, como Brasília 18%, de Nelson Pereira dos Santos, e Bens Confiscados, de Carlos Reichenbach. Também promoveu, inclusive, uma estréia: Veias e Vinhos, de João Batista de Andrade, prevista para entrar nos circuitos ainda este ano, seguida de um debate com o autor. Atual secretário de cultura do Estado, João Batista pode ser considerado um dos cineastas brasileiros mais engajados politicamente, ao lado de Nelson Pereira dos Santos. Mas levou este engajamento até as últimas conseqüências ao se fundir a ele e ter se tornado um homem público, que vê o atual governo como "democrático, mas com um problema grave de segurança" e que tem "pela primeira vez uma política cultural no Estado, que já distribuiu mais de 200 editais de projetos".

Escritor, roteirista e cineasta, João Batista reúne uma vasta produção de documentários e ficção, todos com temas ligados à ditadura e política. Um deles, Doramundo, sobre o Estado Novo, foi produzido em 78 e premiado em Gramado. Veias e Vinhos faz parte de uma produção própria durante os anos de chumbo, muitas vezes inacabada e adiada. Talvez uma das mais marcantes seja O homem que virou suco, de 81, que apresenta a anistia e a luta por uma identidade nacional. Na esteira desta obra, há A próxima vítima (82), sobre a relativa abertura política, e Céu Aberto (86), que retrata a morte de Tancredo Neves. Na época, João Batista dependia de recursos da União Nacional dos Estudantes (UNE) para viabilizar suas produções até que a entidade foi invadida pelos militares.

Depois ter falado do tenentismo em 87, com Veias e Vinhos, o cineasta volta ao período da ditadura, época de sua formação, rememorado a morte do jornalista Vladimir Herzog, com quem produziu o programa da TV Cultura A Hora da Notícia, em 1972, nos porões do DOI-CODI em 2005. Adaptação do romance de mesmo nome, de autoria do escritor goiano Miguel Jorge, ele é baseado em fatos reais ocorridos em Goiânia, em 1950. Na época, desconhecidos invadiram uma casa e mataram um casal e seus cinco filhos, deixando viva apenas uma menina de dois anos. Manipulado por políticos, o crime continua sem solução e deixou moradores em pânico ao tentar produzir culpados às custas de torturas policiais.

João Batista enfatiza que o filme foi produzido com poucos recursos, dependente da criatividade do figurino e cenografia. Efetivamente, o longa se passa praticamente em apenas um ambiente: o bar do casal de protagonistas Simone Spoladore e Leonardo Vieira. Mas consegue ser singelo e contornar esta dificuldade ao criar uma narrativa linear, mas tensa, com uma boa fotografia. Juscelino Kubitschek está no poder, que logo será tomado por Jânio Quadros. É uma prévia do que seria o golpe de Estado liderado pelos militares e toda a violência policial que traria consigo.

O nível de inconsciência da população brasileira em Veias e Vinhos é veemente e é ele que João Batista considera o ponto de ligação entre todos os seus filmes da época. O protagonista, representado por Leonardo Vieira, é um típico cidadão brasileiro que sonha com o Brasil moderno e desenvolvido prometido por Juscelino. Ele procura uma casa na beira do lago, na Brasília em construção, e ajuda a todos os subversivos que encontra, mesmo que sua visão política seja reduzida, o que o torna um pouco caricatural.

João Batista explora a metáfora política no cotidiano da família retratada através de um simples e inocente gesto do protagonista. Admirador de políticos, ele ostenta em seu bar o quadro de Juscelino, que teima sempre em pender para o lado e ganha um companheiro com o fim de seu mandato: Jango, desconsiderando-se todas as contradições existentes entre os dois personagens. A vida do casal é abalada por um delegado lacerdista, freqüentador do bar, que remói a derrota para JK e tem os brios feridos pelo quadro exposto. Caçador de subversivos, ele é provocador e quer mostrar serviço ao "alto comando", revelando uma hierarquia e interferência entre poderes que envenenou os anos de chumbo.

O diretor acerta ao criar uma situação dúbia e surpreendente, onde nada é o que aparenta e os fatos podem ser utilizados mais contra do que a favor das pessoas que o envolvem. Desconfia-se de tudo e todos e testamos nossos pré-conceitos da época a cada instante. João Batista não coloca a culpa apenas na polícia, braço de um duro regime, mas retrata a situação econômica e alienação de uma sociedade corrompida e como ambas se fundiam com o novo regime, criando uma situação explosiva. O final já é conhecido por todos.

*publicada no Digestivo Cultural

Marília Almeida
CounterData.com

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