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17.2.07

Cinema 2006: grandes retornos

CINEMA*
2006 foi um ano que marcou a volta de grandes cineastas à tela grande. Alguns, duplamente, pois também foram marcados pela volta às raízes. Todos incorriam em grande possibilidade de acerto e brilharam.

Alma feminina almodovariana

Penélope Cruz e mulheres com problemas mal-resolvidos é a fórmula mágica do cineasta espanhol Pedro Almodóvar. Volver significa voltar até no título e retoma o fôlego de obras-primas como Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988) e Tudo sobre minha mãe (1999) após o mediano A Má Educação (2004).

Neste último, sua atmosfera pecadora recheada de sensualidade adquire um tom pesado guiada por um roteiro mirabolante, que se perde no meio do caminho e tenta se encontrar desesperadamente até o final, resultando em um desfecho pífio. Não é o que acontece em Volver, cuja narrativa é ascendente e bem costurada por diferentes personagens e visões da história. Talvez porque o protagonista de A Má Educação, interpretado pelo mexicano Gael García Bernal, em seu primeiro trabalho com o diretor, não tenha a intimidade que Penélope Cruz desenvolveu em trabalhos anteriores e Carmen Maura resgata 17 anos depois.

Volver é uma comédia que não deixa de tocar em assuntos graves como a morte e dramas familiares e já recebeu 14 indicações ao prêmio Goya, a mais importante premiação espanhola.
A máfia de Scorsese


Martin Scorsese é um cineasta americano que influenciou uma geração de novos diretores, incluindo Quentin Tarantino. Mas, paradoxalmente, nunca ganhou um Oscar. Movido talvez por uma “vingança”, ultimamente lançou filmes distantes de suas narrativas urbanas povoadas por tipos violentos como seu clássico Táxi Driver (1976). O maior exemplo disso é Gangues de Nova York (2002), que precisou de grande orçamento para que sua distribuição conseguisse atingir duas premiações do Oscar. O filme recebeu dez nomeações, mas não levou nenhuma estatueta.

Após filmar Kundun (1997), filme com bela fotografia que narra a vida do décimo quarto Dalai Lama e O Aviador (2004), que retrata a história do milionário Howard Hughes, Scorsese retoma a Os Bons Companheiros (1990) em Os Infiltrados (2006). E acerta, mesmo sem Robert De Niro, que recusou o papel do “father” da máfia irlandesa de Boston: Frank Costello. Mas o sempre perverso Jack Nicholson o substitui muito bem ao lado de Leonardo DiCaprio que, junto com Matt Damon, é um infiltrado: o primeiro na máfia e, o outro, na polícia, que acabarão por se perseguir e destruir como forma de sobreviverem.

Os Infiltrados é um policial notável: tenso do início ao final, com belas seqüências de apresentação de personagens. Seu roteiro é intrincado e desvenda os meandros de duas organizações opostas e, por vezes, complementares. A tecnologia representada por celulares ocupa papel central e produz tomadas sarcásticas tão caras ao estilo de Martin. A fonte da inspiração é, no mínimo, improvável: o filme é baseado no chinês Conflitos Internos, dirigido por Alan Mak e Andrew Lau.

Homenagem a Buñuel

O cineasta português Manoel de Oliveira é considerado o mais velho realizador do cinema em atividade do alto de seus quase cem anos. Apesar disso, sua obra cinematográfica, que se divide entre o gênero documental e de ficção e inclui trabalhos como ator, não é muito conhecida e raramente circula no circuito nacional.

Manoel de Oliveira já filmou 36 filmes desde 1931, entre eles a adaptação de uma grande obra literária com Amor de perdição (1979), uma reflexão original sobre o bem e mal em A divina comédia (1991) e Acto de primavera (1962), que fez parte do Novo Cinema Português. Neste ano, dirigiu um filme singelo, mas forte: Belle Toujours, exibido na 30º Mostra Internacional de São Paulo.

O filme pretende ser a continuação do clássico A bela da tarde (1967), dirigido por Luis Buñuel, além de uma homenagem ao diretor espanhol. Apesar da recusa de Catherine Deneuve para continuar na pele da protagonista do filme, Séverine, uma mulher que descobre o verdadeiro prazer trabalhando como prostituta por meio-período, podemos ver Michel Piccoli no elenco trinta e oito anos depois.

Agora, os participantes do filme estão amadurecidos e se reencontram em Paris. O filme é fiel ao original e o revive, mostrando a perseguição implacável de erros do passado e a vontade de mudança, que parece nunca poder ser concretizada. Uma bela abertura situada em um concerto de música clássica marca o reencontro dos personagens e as cenas em um bar escuro refletem sobre os relacionamentos modernos e a solidão humana. Na surpreendente seqüência final, o clima de mistério é permanente, o que o coloca à altura de seu original. O intuito de Manoel não é esclarecer, mas problematizar, desejo compartilhado por Buñuel.

O último Altman

O filme produzido este ano pelo produtor, roteirista e diretor de cinema norte-americano Robert Altman não marcaria tanto se não fosse também o último de sua carreira. O cineasta faleceu no dia 20 de novembro, aos 81 anos, por causa de uma falência respiratória. A última noite é encenado por Meryl Streep e estreou no circuito nacional no final deste ano.

Altman morreu após produzir 80 filmes como diretor, entre eles MASH (1970), O Jogador (1992) e Short Cuts – Cenas da vida (1993), indicados ao Oscar de Melhor Direção. Devido a posições políticas, seu cinema se vinculou mais ao europeu do que ao de seu país e seu último filme reflete isso muito bem, pois homenageia um dos programas de rádio mais antigos dos Estados Unidos e símbolo da contracultura nacional A prairie home companion. O filme se passa na última noite de sua programação, diante da ameaça de seu fechamento.

O ano da morte de Robert Altman também foi o que ele recebeu a máxima premiação em seu país: um Oscar honorário por sua obra.

Marília Almeida

*publicado no Digestivo Cultural

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