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24.8.06

Mozarteum 2006 para iniciantes

MÚSICA**


Os números da tradicional associação cultural brasileira são impressionantes. Em seu 25º ano, a Mozarteum, que já trouxe para o país a Filarmônica de Viena, Munique e Nova Iorque, além da inglesa Royal Philharmonic, já realizou 894 espetáculos, 539 com artistas internacionais e 355 com nacionais, para um público que já soma quase dois milhões de pessoas. Sua temporada de 2006, que começou em maio e irá se estender até outubro, já teve 16 apresentações nas principais capitais do país.

Entidade sem fins lucrativos, apoiada por leis de incentivo a cultura e empresas privadas, visa contribuir para a difusão da música clássica em um país carente dela. Seus concertos são, por vezes, apresentados ao ar livre, o que amplia o seu acesso. Além disso, há matinês de ballet para crianças e jovens e os Concertos do Meio-Dia, realizados no MASP, ambos com entrada franca. O festival comumente doa bolsas de estudos de cursos internacionais de verão para jovens músicos, dá cursos de história e interpretação e promove um intercâmbio entre músicos nacionais e internacionais através das Master Classes, onde músicos de grandes orquestras dão aulas a estudantes de música brasileiros.

A programação, mesmo focada na música clássica, é diversificada: são orquestras, solistas, grupos de música de câmara, óperas e companhias de dança. Após as alemãs Orquestra Sinfônica WDR de Colônia e Orquestra Filarmônica de Câmara de Freiburgo, esta composta por estudantes e cujo coro tocou em parceria com o Coro Barroco da Bahia; além dos grupo norueguês Solistas de Trondheim, também composto majoritariamente por jovens músicos, foi a vez do Quarteto Mitchell-Tomter-Poltéra-Leschenko se apresentar no Theatro Municipal de São Paulo nos dias 31 de julho e 1º de agosto.

O quarteto apresentou músicas de câmara, considerada a de mais difícil deglutição por ouvidos virgens à música clássica. Ao invés de uma grande orquestra, com muitos ápices musicais que levantam e impressionam qualquer platéia, há, basicamente o som do violino, violoncelo, viola e piano. Ficou difícil? Quem é leigo no universo regido por gênios como Mozart, Bach & Cia., mas adora este som transcendental não apenas no bip do celular, pode relaxar. O Mozarteum tem, desde 2001, o Clube do Ouvinte, uma série de palestras educativas gratuitas que são ministradas antes dos concertos da Temporada Internacional, destinadas à platéia de cada apresentação.

O maestro, compositor e pianista Sérgio Igor Chnee já logo nos situa, nos introduzindo à composição da música de câmara. Ela é composta por, no máximo, cinco músicos, todos com a mesma importância musical, ao contrário de uma grande orquestra sinfônica, onde cada um é reforçado por um conjunto musical. Esta equidade reflete até mesmo no nome do grupo. Composto por jovens músicos, a voz de sua experiência reside no violista norueguês Lars Anders Tomter, considerado um dos maiores violistas atuais. O Gigante da Viola Nórdica já se apresentou nas maiores orquestras sinfônicas e em famosos festivais mundiais. Mas, ao lado de Priya Mitchell, uma jovem violinista que toca um Balestieri de 1760, há o contraste que cria a sintonia, complementado pelo diligente violoncelo de Christian Poltera e o ágil dedilhado do piano de Polina Leschenko.

Depois de terem executado obras de Mahler, Mozart e Dvorák, em sua 2º apresentação o quarteto tocou três compositores muito diferentes entre si. O austríaco Franz Joseph Haydn é o pai do classicismo e seus trios são considerados a 2º parte mais importante de sua obra, caracterizada por contrastes sonoros. Já o alemão Johannes Brahms fazia parte do romantismo e está mais próximo de fontes clássicas como Bethoven. Por fim, Gabriel Fauré, compositor francês, encontrou abertura para o experimentalismo, o que faz com que suas obras sejam entrecortadas de vazios sonoros propositais. Fica fácil perceber as características do minueto do quarteto ao ouvirmos CD guiados por Chnee. Ele é composto por um movimento rápido, um lento, uma dança e um segundo rápido, o gran finale.

Após a palestra, eis o concerto em si. Haydn nos é apresentado através de seu Trio nº 39 para piano, violino e violoncelo, em sol maior. Com seu violino em embate com o violoncelo e tendo o piano como fio condutor, encontramos em um mesmo movimento humor e agressividade. Já Brahms é dramático no primeiro movimento de seu Trio para piano, viola (clarinete) e violoncelo, op.114, em la menor. Há contrastes, uma conversa entre violoncelo e viola para depois se fazer a presente a leveza, quase parando, seguida por uma dança com muitos ápices e um final raivoso expresso em seu piano. Por fim, há o virtuosismo e melodia do Quarteto com Piano nº1, op.15, em dó menor de Fauré. Nele, o piano é o ator principal e o que vemos são fragmentos difusos, que sobem e descem para acabarem em uma fúria sóbria. E esta sobriedade se perpetua em nossos sentidos após este gran finale do quarteto.

A partir dia 17 de setembro, a temporada que celebra os 25 anos do Mozarteum continua. Desta vez, o Parque do Ibirapuera, a Sala São Paulo, Blumenau e Rio de Janeiro receberão o violinista com trinta anos de carreira e reputação mundial Gidon Kremer. Em outubro, Rudolf Buchbinder terá apresentação única na Sala São Paulo, onde mostrará um pouco de sua extensa obra de cerca de cem discos e, por fim, a soprano inglesa Dame Felicity Lott, que já trabalhou com quase todas as maiores orquestras e festivais mundiais, se apresentará em dois dias, também na Sala São Paulo*.

*programação sujeita a alterações

Marília Almeida

**publicado no Digestivo Cultural

9.8.06

FIT 2006 - Fim de uma trilogia teatral

TEATRO*
Depois dos posts "FIT I" e "FIT II", resta-me dizer que acabou mais uma edição do FIT (Festival Internacional de Teatro), que me deixou com o já dito e desdito gosto de "queria ter visto mais", principalmente Assombrações do Recife Velho, baseada na obra de Gilberto Freyre e encenada pela companhia Os Fofos Encenam (muito por causa de seu cenário: um casarão antigo que coube perfeitamente no tema que tratou: o sobrenatural), além da colorida peça de rua Caetana, da pernambucana Duas Companhias. Porém, além das produções internacionais, ainda deu tempo de conferir duas nacionais bem diferentes entre si: o monólogo Um dia Antes da Floresta e o infantil Viagem ao Centro da Terra.
Produzida pela companhia paulista Brancalyone Produções Artísticas e dirigida por Francisco Medeiros, seu texto é da obra de um dramaturgo francês "maldito", o soropositivo Bernard-Marie Koltés. O ator Otávio Martins, indicado ao Prêmio Shell de Teatro, não decepciona em um monólogo tenso que começa morno e é por vezes redundante, mas sempre ascendente.
Em 70 minutos, Otávio vive um maltrapilho estrangeiro que trava um diálogo em uma esquina da louca vida noturna com um "outro" inexistente. Sua narração é vertiginosa: um diálogo impossível, em que parece falar com o triste retrato de si mesmo. A solidão é veemente e, o discurso, um retrato fiel da zoológica sociedade moderna, com seus tipos bizarros, como prostitutas que comem terra do cemitério. O cenário ajuda para criar um sentimento de desolação. Composto por um bloco que imita uma calçada, é rodeado por espelhos sujos e emporcalhados.
Utilizando-se do teatro de sombras, bonecos e projeções que rememoram os primeiros anos do cinema, a Cia de Teatro Artesanal, do Rio de Janeiro, que já havia participado do FIT com a peça Cyrano de Berinjela, montou a peça baseada no texto de Júlio Verne: Viagem ao Centro da Terra. A produção, feita no ano passado, foi patrocinada pela Prefeitura do Rio através do Fundo de Apoio ao Teatro e tem cenário e figurino inspirados nos filmes dos irmãos Lumiére e George Méliès. Com faixa etária recomendada a partir de oito anos, conta com boas atuações de Cid Borges, Edeilton Medeiros, Kátia Kamello e Nilton Marques.
Passada no século XIX, nela o teimoso Professor Lidenbrock e seu sobrinho Axel empreendem uma viagem para o centro da terra quando conseguem desvendar o segredo de um pictograma. Os diálogos são fiéis à precocidade da faixa etária a qual se destina. A impressão é de que tudo acontece ao mesmo tempo, agora. E o grupo tem a seu favor o fato de utilizarem diversos meios, o que deixa a criançada estarrecida com tanta informação e, conseqüentemente, com a respiração suspensa. E o melhor da peça: não trata a criança como "criança", apesar de se utilizar do elemento fantasia a cada segundo. Tudo é muito rico na narrativa e a volta a tecnologias antigas em meio à "geração IPOD" consegue surpreender.
Por fim, em um balanço do evento, muito se disse que o FIT é, mais do que uma mostra de produções nacionais e internacionais, um painel de ousadias. Isto é confirmado em certo sentido através desta pequena mostra do festival que pude contemplar. São produções de grupos desconhecidos e, outros, nem tanto. Que ganha pontos ao mostrar muitos espetáculos fora do circuito teatral SP-RJ e, definitivamente, de difícil acesso. Afinal, o teatro, infelizmente, ainda sofre com o bairrismo, queiramos ou não. Além disso, acertou ao mostrar produções internacionais em que, na maioria, a barreira da língua não é o problema, pois utilizam muitos recursos visuais e, com isso, transpõem grandes distâncias culturais e educacionais, tão tristemente reais em nossa sociedade brasileira.
Após estas conclusões, não é surpresa que o FIT se configure em um festival que tem ampla tradição do alto de seus mais de 30 anos, apesar de ter obtido o formato atual somente a partir de 2002. Antes, ele era um painel competitivo, com direito a premiações. A edição de 2006, especificamente, inovou ao chamar críticos conhecidos como Antonio Hildebrando, Tânia Brandão e Antonio Cadengue, para cobrir todas as produções exibidas e dar a cara para bater.
Porém, antes do show acabar, o melhor, leitor, é saber que, caso este humilde relato o tenha deixado com água na boca e com vontade de experimentar as mais diversas sensações que estes espetáculos proporcionaram, muitos deles seguem em cartaz em outros estados e cidades.
A produção francesa Aberrations du Documentaliste (Aberrações de um bibliotecário) esteve em cartaz no Sesc Santana, em São Paulo, até o dia 06 de agosto. Já a peça russa Noite de Reis, texto de Willian Shakespeare produzido pelos criadores e diretores da Cia. Cheek by Jowl, grande decepção do FIT pela sua não-apresentação, abriu a Estação de Teatro Russo Brasil 2006 nos dias 25 e 26 de julho. Composta por mais quatro produções, a mostra será apresentada em diversas unidades da rede SESC até o dia 08 de outubro.
Outros estados da região sudeste também puderam ficar tranqüilos. Les feuilles qui resistent au vent (As folhas que resistem ao vento), de Koffi Koko, e a espanhola Una madre coraje y sus hijos em el purgatório (Uma mãe coragem e seus filhos no purgatório) participaram da 8º edição do FIT em Belo Horizonte, versão mineira do festival que conta com basicamente os mesmos patrocínios, exibe muitas peças do FIT de Rio Preto e terminou dia 06 de agosto. Mas ainda dá tempo de ver a peruana Cuentos Pequeños (Contos Pequenos), que fará temporada no Rio de Janeiro e Assombrações do Recife Velho, em temporada no SESC Santana de 12 de agosto até o dia 10 de setembro.
*publicada no Digestivo Cultural
Marília Almeida
CounterData.com

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