O apanhador sem sonhos
Um clássico literário pressupõe grandes revoluções na escrita, assim como temas graves. Mas corajoso e também digno do título é o clássico que se firma com simplicidade e retrata, a partir de um pequeno tema, uma geração de seu país. O clássico em questão é o único romance de seu autor e poderoso instrumento para sua reclusão, o que o torna mais destacado e precioso: O Apanhador no Campo do Centeio.
Seu protagonista, o jovem Holden Caufield, é um adolescente proveniente de uma família de classe média que será expulso de um renomado colégio da Pensilvânia, pois não tem ânimo algum para os estudos, apesar de ser um garoto com potencial, conforme declara seu professor de história, uma das poucas pessoas a quem Holden dá um voto de fé, o que não significa muita coisa vindo do protagonista. Ele passa por um esgotamento mental crescente no qual quaisquer atos que inspirem hipocrisia e falsidade é razão para brigas e rupturas, muitas vezes traumatizantes.
O livro é o seu relato, narrado em 1º pessoa, produzido em um centro de recuperação, onde se encontra após ter atingido o ápice deste estado emocional. O que é contado logo no início do livro não tira seu suspense: ao longo de toda a história não sabemos do que Holden é capaz para chegar à internação. Ele está amorfo, ausente de sentimentos positivos e declara linha por linha sua visão cética e irônica do mundo, mas, ao mesmo tempo, idealizadora e inocente, expressa por uma linguagem simples e até mesmo repleta de gírias de um adolescente comum, o que fez com que o livro fosse censurado em diversos locais do país.
Toda a história gira em torno da fuga de responsabilidades de seu protagonista. Ele não quer chegar em casa para comunicar sua expulsão e a partir deste ato conhece um novo mundo, mais assustador e falso do que o vislumbrado entre as paredes do colégio. Holden é sincero e, pode-se dizer, puro, o que, irremediavelmente vai fazer com que ser engolido pela humanidade seja inevitável. As únicas pessoas que lhe parecem ter valor indefinido é seu irmão escritor, a quem realmente admira, e sua irmã mais nova, chave para o entendimento do título e da personalidade do protagonista. Não há motivos bem delineados para seu comportamento: apenas uma difusa desilusão com o mundo, o que faz com que o livro, por sua descrição primorosa e realista, seja também um retrato fiel da depressão.
Sua história vislumbra algumas referências bibliográficas de seu autor, J.D Salinger, que já foi considerado por um professor “o pior aluno de inglês da história do colégio”, também estudava em um colégio na Pensilvânia, teve um professor universitário que também enxergava seu discreto talento, origem proveniente da mesma classe social que Holden e seu comportamento arredio e admiração por crianças também se assemelha muito ao de seu célebre personagem. Esta teoria acompanha muitas obras de Salinger, que também foram influenciadas por suas experiências na Segunda Guerra Mundial, onde foi hospitalizado por stress, e seus relacionamentos amorosos problemáticos.
Publicado em 1951, quando o escritor norte-americano, adorador de Kafka, Dostoiévsky e Tchecov, tinha 31 anos de idade, seu sucesso assustou o autor e fez com que se mudasse de Nova York para Cornish, cidade interiorana. Depois dele, Salinger apenas publicou histórias curtas, a mais popular A Perfect Day for Bananafish, publicada pela New Yorker em 1949. Aliás, se tornou um dos seus mais ilustres colaboradores da renomada revista em uma época onde adotava escritores de talento como Joseph Mitchell. Todos seus outros livros publicados são compilações destas histórias: Nine Stories (53). Franny and Zooey (61), Raise High the Roof-Beam, Carpenters e Seymour: A Introduction (63). Seu último trabalho, o romance Hapworth 16,1924, nunca foi publicado. A personalidade de Salinger, avessa à publicidade e celebridade, continua um mistério: ele não dá entrevistas desde 1974 e não fez nenhuma aparição pública nem publicou qualquer trabalho desde 1965.
A perenidade de uma obra também a define como clássico. Até hoje, O Apanhador no Campo de Centeio vende cerca de 250 mil cópias por ano nos Estados Unidos e faz parte até mesmo de listas de livros obrigatórios em colégios do país. Em tempos onde jovens matam seus colegas de classe, professores e pais, Holden não parece um personagem despropositado. Enquanto se viver em um mundo que não compreende suas mais novas gerações, não é exagero dizer que ele poderá ser eterno.
Marília Almeida